sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Solidariedade Retroativa

Marcelo Mário de Melo

“A justiça tarda, mas não falha”, diz o dito popular. A solidariedade também, acrescento eu, no momento em que deixo expressa a minha mais irrestrita solidariedade ao juiz Nilson Nery Guerra, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, da 7ª Vara da Capital, pelas razões que esclareço a seguir.

O fato é que o excelentíssimo juiz sofreu uma séria ofensa, quando, num jogo de futebol, no estádio do Clube Náutico Capibaribe, na tarde do domingo 21 de outubro de 2007, foi abordado por um policial e tomado como um indivíduo reles e indecoroso, no momento em que urinava a céu aberto, premido por necessidade fisiológica incoercível.

O juiz reagiu à altura, exibindo a sua carteira de magistrado e fazendo retomar à sua insignificância aqueles que o abordaram. O fato chegou às folhas dos jornais e aos blogs de notícias em matérias de tom picante e depreciativo daquela autoridade, que passou também a ser objeto de um processo disciplinar que tramita em rigoroso sigilo, como é comum no âmbito da corporação judiciária.

Pior do que isto foi o tratamento jocoso que, a partir daí, passou a ser dispensado ao juiz nas conversas de redação e nos bate-papos de bastidores entre os profissionais da imprensa escrita, falada, televisada e internetizada. Basta dizer que, quando chegam aos veículos notícias envolvendo o juiz, ele sempre é referido com o epíteto de “o juiz mijão. “Notícia com o juiz mijão” – esta é a cantilena que o envolve.

E que não se venha justificar essa denominação ignominiosa, argumentando com a tirada do escritor Ariano Suassuna em suas aulas-espetáculos, dizendo que não fala de ninguém pela frente, porque isto é uma falta de educação, só o fazendo pelas costas.

É evidente que o mestre Ariano disse isso em tom de blague, ou simplesmente incorporando o personagem Xicó, do O Auto da Compadecida, síntese literária dos presepeiros nordestinos João Grilo, Canção de Fogo e Pedro Malasartes.

No momento em que expresso minha solidariedade ao ofendido e injustiçado juiz Nilson Nery Guerra, aproveito para lançar a proposta de que seja elaborada, com alcance jurídico nacional, a Lei do Livre Xixi, valendo para todos/as mortais.

O novo dispositivo legal levaria ao equilíbrio necessário entre as exigências da lei e as ordens da necessidade, dando cobertura àqueles e àquelas que, nos limites das suas inadiáveis urgências fisiológicas, se vêem obrigados(as) a urinar a descoberto. Com isto se evitaria que passassem pelos constrangimentos impostos ao excelentíssimo juiz supramencionado.

Mas independentemente desse dispositivo legal, o Tribunal de Justiça de Pernambuco ou a Associação dos Magistrados poderia se antecipar com uma ação administrativa de indiscutível operacionalidade, mandando fabricar o Júris-Xixi-Móvel, equipamento composto de urinol e mini-cabine, de fácil e rápida montagem e carregado por uma moto, que acompanharia nas suas peregrinações de lazer os/as integrantes do poder judiciário, servindo-os/as nas suas urgências miccionais. E que se admita também a possibilidade de o equipamento ser ampliado, para poder atender a necessidades relativas a excrementos sólidos, o que asseguraria a competente isonomia escatológica e exigiria uma denominação mais abrangente, como por exemplo, Sanitas-Juris-Móvel.

A mim, que tenho me solidarizado com os protestos, as greves e as ocupações promovidas por estudantes, operários, sem-teto e sem-terra, lamentando neles, apenas, a exígua expressão quantitativa, e que também tenho apoiado as denúncias e manifestações em torno de atitudes ofensivas, preconceituosas e discriminatórias contra os mais diversos segmentos sociais, majoritários ou minoritários, não seria estranho expressar a solidariedade ao ilustríssimo juiz Nilson Nery Guerra, que no seu exercício mictório não chegou a arranhar o estatuto da propriedade privada, tão caro aos princípios jurídico-políticos da nossa república burguesa e cortesã.

Como pancadas dadas e palavras ditas não há quem as tire, e sendo também impossível coibir o que se reproduz informal e ofensivamente nas rodas jornalísticas, resta-nos realçar e alargar as expressões de solidariedade ao juiz Nilson Nery Guerra e o apoio às iniciativas aqui propostas nos terrenos legal e administrativo – a Lei do Livre Xixi e o Júris-Xixi-Móvel.

Finalizo com a certeza plena de que, na vida social, também é uma grande obra cuidar do xixi e/ou do cocô das pessoas.

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