sábado, 25 de outubro de 2008

Libidinagem das Letras

Marcelo Mário de Melo

É grande o clamor do sexo
no país das letras nuas.
Conheci belas histórias.
Andei lá por muitas ruas.
E escrevo pra que elas sejam
tanto minhas quanto suas.

Vamos conhecer de perto
essa libido letrosa
que se abre aos nossos olhos
pedindo verso e não prosa
porque não tem o tijolo
os atributos da rosa.

Foi num dia iluminado
que tive o encantamento.
Quando estava lendo um livro
e parei por um momento
meus olhos foram colhidos
por um belo movimento.

Duas letras concentradas
trocavam beijos e abraços
numa página aberta
se misturando em amassos.
E caí embevecido
na trilha dos seus compassos.

Elas viram que eu vi
e não ligaram pra isso
seguindo na sua festa
alegres com muito viço
pois amar naquele instante
era o seu compromisso.

Depois chegaram pra mim
disseram: "muito prazer!
Somos do mundo das letras
venha ele conhecer.
Embarque na nossa nuvem
e vamos nos entender".

Segui assim a viagem
com as letras namoradeiras
conhecendo seus amores
seus costumes e fronteiras
que prometi escrever
com palavras verdadeiras.

Agora chegou a hora
de cumprir o prometido
passando para o papel
tudo o que foi assistido.
Que a libido das letras
me aqueça e dê sentido.

Vou correr o alfabeto
desde o A até o Z
descrevendo muitas cenas
desse amor do ABC.
Solte a imaginação
e se envolva no que lê.

O A se excita e avança
abrasado e com furor
olhando a bunda do B
que remexe sem pudor
pedindo que chegue logo
e seja seu invasor.

O C todo escandaloso
mostrando sua entradinha
pulsando no abrir/fechar
tomando a cena e a rinha
puxa o D para a cama
e ficam galo e galinha.

O E se esfrega todo
alisando com os três dedos
sussurando para o F
quentes safados segredos
querendo lhe cavalgar
sem restrições e sem medos.

O G chama de gostoso
o H à sua frente
beija-o com garra e com gula
chupando e ferrando o dente
dizendo que esta noite
quer tudo bem diferente.

O I comprido e esticado
vai chegando para cima
com aquele olho de fome
no J que se aproxima
e diz em tom de galhofa:
"ô que coisinha mais fina!".

O K com o Kama Sutra
e a cartola de Mandrake
diz que vai ser no capricho
sem agonia ou ataque
e despe as roupas do L
depois de tirar o fraque.

O M língua de fora
diz que só quer sexo oral.
Lambendo as linhas do N
faz o maior carnaval
dizendo que muita regra
na cama é um grande mal.

O O que é letra transeira
também não liga pra nada.
Gosta de curtir sem grilo
com festa e muita risada
e vai provocar o P
com uma saia rodada.

O Q diz que gosta um pouco
de curtir uma pancadinha.
Sadomasô controlado
sem risco e dentro da linha
pra levar o R às nuvens
sem deixar uma marquinha.

Rastejando como cobra
depois na ponta do pé
o S encanta a alcova
dança com fogo e com fé
E o T maravilhado
vai à sua Salomé.

O U se chega de leve
devagar muito jeitoso
porque o V letra virgem
está meio temeroso
pergunta se vai doer
e se vai chegar ao gozo.

O W é meio esquisito
e pede coisas estranhas
a um X muito manjado
sabedor das artimanhas
que se enrosca no seu corpo
com mil agrados e manhas.

O Y é um grande voyeur
num mirar que não se cansa
lambendo o Z com os olhos
na sua ardorosa dança
que nunca pode faltar
no amor e na festança.

Mergulhei e nadei mundos
Atrás das letras transeiras.
Recolhi suas lições
Curti suas brincadeiras
E vi as forças do sexo
Livres leves sem complexo
Onipresentes e inteiras.

Mar da libido das letras:
Abre as águas aos humanos!
Robustece suas vidas.
Instila em camas sofridas
O sal e o sol sem enganos.

De A a Z com alegria
Encantando e indo fundo

Mostram as letras que vivem
E curtem sexo profundo
Lançando em novas leituras
Os alfabetos do mundo.

Comentário de Nelly de Carvalho
- linguista de professora da UFPE

Marcelo
Uma beleza de texto, criativo, original.
Parabéns
Nelly

Um comentário:

bethania disse...

MMM
A libidinagem alfabética é FLORIDA de BOA.
valeu, parabens
Viva a luxúria, o pecado divino
Abraços, Alcides Valença